quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Sobre a fórmula de ganhar dinheiro com livros




Minhas visitas à Livraria Leitura cumprem sempre um itinerário fixo: passo rapidamente pela entrada, onde jazem serelepes e coloridos os livros que eu chamaria de fast-read - leituras rápidas, divertidas (não para mim, devo confessar) mas que estragam a saúde mental se usados imoderadamente; sigo, então, para a prateleira da Teoria da Literatura, lugar em que eu posso tratar a literatura com a dignidade e respeito que ela merece; logo depois, a visita à Filosofia é obrigatória, já que sem a epistemologia não haveria Teoria da Literatura.

Pois bem, ontem, indo a essa livraria e cumprindo o itinerário de sempre, eu deparei com um livro coloridinho demais para a área da Teoria da Literatura. Julguei-o, claro, estrangeiro, e tive, tenho de admitir, impulsos xenofóbicos. Logo fui a ele, pensando em intimidá-lo para que me dissesse qual era seu interesse por ali, se estava com os documentos em dia, porque estava com aquela capa chamativa etc. Tomando-o pela gola da camisa e o levantando ante meus olhos, vi que se tratava de um livro sobre Shakespeare - o Zeus do meu Olimpo Literário - e, receoso de que ele me dissesse: "Você não sabe com quem está mexendo, rapaz! Vou reportar essa atitude deplorável aos seus superiores universitários...", eu fiz o movimento de deixá-lo de volta à prateleira, pedindo desculpas pela minha grosseria e justificando que eu o tomei por outra pessoa.

Mas, enquanto eu o repunha na estante, li no título a palavra código. Não, eu não estava errado! Um livro chamado O Código Shakespeare jamais - eu disse JAMAIS! - estaria na Teoria da Literatura. Voltei a erguê-lo pelo colarinho e o revistei à procura de seus documentos: realmente era um estrangeiro. Aquele era um livro filho dos fast-read, escritos para entreter os incautos leitores de fins de semana ociosos. A contra-capa o denunciara: "Um livro recheado de mistério, intrigas..." e outras coisas que não ouso mencionar; o nome da editora, "Best Seller", dispersou qualquer dúvida de que aquele livro estava no lugar errado.

O tal livro segue a fórmula de sucesso já utilizada por Dan Brown e outros: uma história controversa com uma reviravolta em cada capítulo - quando Aristóteles, em sua Poética, dizia (e eu concordo) ser necessária apenas uma - frases de efeito, trechos engraçadinhos, vez ou outra um momento picante, e, no final, uma revelação bombástica retirada do bolso do autor - para não dizer doutro lugar, o que escandalizaria meus hóspedes. Então, o editor faz uma capinha coloridinha, com o nome do autor bem grande, no alto, e o nome do livro no meio com uma fonte bizarra - tudo para chamar a atenção do cliente. Não é à toa que esses livros ficam logo à porta, perto dos caixas: é para facilitar a vida do comprador, que não precisaria se aprofundar demais na livraria nem se demorar na procura. Afinal, a vida anda muito corrida, e não temos tempo a perder no conhecimento de outros tipos de livros. Então, que se deixe logo à mostra o que mais interessa.

Vários motivos me levam ao meu ódio xenofóbico contra esse tipo de livro: em primeiro lugar, a constatação triste e consternante de que pessoas que jamais leram Shakespeare lerão esse livro; em segundo, a certeza de que essas mesmas pessoas, após lerem a merda do tal código, jamais lerão o Bardo; e, por último, o fato de eu ter de ouvir tais pessoas discutir comigo como se o que foi escrito ali é uma verdade dogmática, mas inabalável que o firmamento, mais resistente que o diamante, mais certo que o nascer do sol.

Antes desse livro, um outro, A Conspiração Franciscana, já me tinha feito perder a paciência. Li as primeiras cem páginas dele, por indicação de um grande amigo, que queria debater o livro comigo. Foi uma das piores leituras da minha vida! Nunca vou esquecer os momentos de terror sofridos... Esse meu amigo, no entanto, soube separar o que é ficção - quase tudo que está além dos nomes dos personagens - do que é real. Outros, porém, levaram o livro tão a sério que não era possível dizer coisa diversa do que foi escrito. Era como se eu estivesse "defendendo" os franciscanos por ter sido um, um dia...

É claro que ninguém tem de gostar de literatura como eu gosto. Nunca desejaria isso! Mas é necessário ler livros de ficção como livros de ficção, e livros de fast-read como livros a serem usados com moderação e crítica. Mas que eu saí da livraria pensando num atentado terrorista que eliminasse todos aqueles livros, ah!, eu pensei...

Leonardo Ramos.

Um comentário:

  1. Depois de "O código Da Vinci" e "O código Shakespeare", vem aí... "O código Beethoven". Mas no Brasil, logo depois, manifestará o rebanho dos ressentidos, contestando a validade desse cânone cultural euro-logo-falo-leuco-cêntrico, e exigirão a publicação de algo que represente a voz terceiro-mundista, afrodescente, gay e transtornada. E aparecerá, por fim, "O código Lafond". Ah, meu amor!...

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