terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Playlist da semana

Mais folk.

1) The Band - It makes no difference



2) Tom Waits - I hope that I don't fall in love with you



3) Mumford & Sons - The cave



4) Sufjan Stevens - John Wayne Gacy, Jr



Leonardo Ramos.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Playlist da semana

A playlist da semana, que geralmente é publicada na segunda, atrasou um bocadinho. Estava ouvindo muitas coisas novas, indicadas por amigos e pesquisadas por mim, também. Mas o que tem mexido com a minha cabeça nesses últimos tempos é a música folk. Entre canções já tradicionais e descobertas, aí vai mais uma folklist!

1) Joan Baez - Diamonds and rust



2) Judy Collins - Turn, turn, turn



3) The Tallest Man on Earth - The gardener



4) S. Carey - We fell



Leonardo Ramos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Casa

Acordaram com um grito alucinante de dor e desespero rasgando o silêncio da madrugada. Prontamente de pé, pai e mãe correram ao quarto do filho, de onde vinham os barulhos do grito e dos objetos caindo ao chão. O rapaz estava se debatendo, histérico, esfregando as costas no chão, na parede, enfim, onde era possível. Os pais tentaram segurá-lo, mas era impossível. O rapaz parecia ter a força de um touro raivoso.

Desesperados, tentavam se comunicar com o filho, mas ele apenas gritava e gritava, e se debatia. Em pouco tempo a casa estava cheia de gente, que procurava saber o que estava acontecendo. Dez homens, eu disse dez homens foram necessários para segurar o rapaz, enquanto alguém lhe ministrava um entorpecente.

Quando ele desmaiou, então, reergueram a cama e o deitaram ali. O quarto estava praticamente destruído. O menino, já nu, tinha marcas de hematomas e cortes por todo o corpo. Seu rosto estava contorcido de dor. Dédalo não conseguia mais reconhecer o filho, tão machucado e desfigurado estava. Inconsolável, ele e a mulher choravam, enquanto as pessoas que estavam por ali trataram logo de procurar um médico.

O doutor examinou o rapaz. Encontrou em suas costas duas protuberâncias, mais ou menos na linha do ombro, uma de cada lado da espinha dorsal, que julgou serem tumores. Segundo o médico, eram elas que estavam torturando o filho de Dédalo. Recomendou aos pais levarem o rapaz para o hospital, para que ele fosse operado o mais rápido possível.

Uma procissão acompanhou o traslado do menino e, chegando ao hospital, montaram guarda na porta.

Por ser ainda uma hora avançada da madrugada - em torno de 4h -, ele foi levado a um leito, onde ficaria aguardando a preparação da cirurgia. Enquanto isso, era tratado em seus ferimentos. A mãe e o pai atendiam de pé, próximos ao leito, com o olhar confuso e perdido, e com a alma cheia de dor e angústia.

Estando tudo pronto para a intervenção cirúrgica, eis que o menino começa de novo seu balé macabro. Desta vez, deitado de bruços, com as unhas, tentava retirar aqueles dois volumes estranhos das suas costas, rasgando a pele com tal violência que os ossos da coluna estavam ficando expostos. No hospital, porém, uma nova sedação chegou rapidamente, e o rapaz caiu novamente no torpor.

Com a pele rasgada, o médico pôde ver que aquilo que ele julgava serem tumores eram, na verdade, asas.

Trouxeram logo os instrumentos. O médico pediu aos pais que se retirassem.

Não havia outra maneira de retirar aquilo. Eram ossos de uma asa em formação. Já sabendo que a cirurgia seria extremamente dolorosa para o rapaz, e que, num novo acesso de dor lancinante, ele poderia dificultar a intervenção, o médico mandou que lhe atassem mãos e pés e que prendessem seu tronco no leito, e o leito, no chão. Aplicaram nova sedação. O médico sabia não ser suficiente, mas sem ela seria impossível.

Assim que começaram a serrar as asas, como previsto, o rapaz voltou a se debater. No entanto, não era possível mexer demais. Estava bastante preso, os braços e as pernas totalmente esticados. Os gritos ecoavam. O médico, preocupado com o menino, tentou terminar o mais rápido possível. Em menos de meia hora, aquelas duas asas estavam serradas e a pele, suturada.

O menino permaneceu no hospital por cerca de três semanas, recebendo tratamento em seus ferimentos - agora com alguns ossos deslocados, da tentativa de se libertar das amarras durante a cirurgia - e sendo observado. Os pais estavam um pouco mais pacificados após a operação, mas ainda preocupados com o filho. O menino, de dezesseis anos, chorava o tempo inteiro, não da dor das asas ou dos ferimentos. Um choro magoado, de um outro tipo de dor, menos empírica.

Dédalo tentava conversar com ele, contando sobre os novos projetos arquitetônicos que deveria fazer, mas o rapaz, quando não chorava, parecia distante, não dava nenhum tipo de resposta.

De volta a casa, ele ficava recluso ao quarto. Comia pouco. Falava menos. Não queria ver ninguém além dos pais. Aquela intensa melancolia fez com que Dédalo chamasse os amigos do filho, a ver se conseguiam fazer com que ele se animasse um pouco. Eles foram e, diante da incômoda insistência do pai, o menino saiu com eles.

Não tinha a mínima possibilidade de brincar. Então, sentaram-se todos na praça, e perguntaram ao rapaz o que havia acontecido aquela noite. Ele contou o fato de que estavam nascendo asas nele. Foi uma gargalhada geral. Asas? Então ele tinha virado o quê? Uma galinha? Pediram-no que imitasse uma. Alguns se levantaram e começaram a arrastar o pé no chão, como se ciscassem, e abanavam os cotovelos emitindo os cocoricós. Outros se contorciam de rir. Outros ainda o mandavam se esconder do granjeiro. O menino chorava.

Voltou sozinho para casa. Fechou-se no quarto, e só sairia de lá na semana seguinte, quando, outra vez, seu grito horrendo varreria o sono de seus pais.

Outra vez, as asas. Outra vez o entorpecimento e o médico. Este disse não poder fazer a mesma cirurgia de novo. Estava claro que aquele não era um problema comum de saúde. Não fazia sentido serrar as asas toda vez que aparecessem. Sugeriu, por isso, interná-lo num outro tipo de hospital, onde pudesse receber medicamentos para que não sentisse tanta dor. Onde ficasse mais calmo.

Os pais não titubearam. Não conseguiam lidar com a situação. Foram apoiados por todos. Era o melhor mesmo a se fazer. Ele ficaria bem. Levaram-no para ser internado. A fim de evitar novos ferimentos, retiraram tudo o que podiam do quarto. Somente havia uma janela, acima uns quatro metros da cabeça, para evitar fugas. Deixavam-no nu, porque, no desespero, rasgava as roupas. E, após as 20h, ficava amarrado, braços e pernas esticadas, o peito contra a parede alcochoada.

Em quatro meses, a asa estava completamente desenvolvida. Já não sentia mais dor por conta disso. Somente aquela da saudade. Saudade de quê? Talvez não soubesse dizer, talvez nem fosse saudade de algo real ou concreto. Não era de casa, com certeza. Nem dos amigos. A saudade que sentia fazia com que ele quisesse alcançar o céu. Talvez seja essa saudade que impele os pássaros a voar, pensou alto em sua cela.

Um dia, olhando o alto da janela, quando a tarde acabava, viu uma revoada de pássaros passando. Pensou talvez que aquilo fosse liberdade. Num movimento desajeitado de bater de asas, esbarrando em todos os lados, empoleirou-se na janela. O vento acariciou-lhe a nudez. A lua, nascendo junto com a noite, o encantou de tal maneira, que ele se esqueceu de tudo, de toda dor, de todo sofrimento, de toda solidão. Eram só ele, nu, e a noite, nua. Entrando na cela para o acorrentamento noturno, viram-no na janela. Gritaram. De um lado e de outro, as pessoas acorreram. O rapaz saltou e, ainda inexperiente, alçou seu primeiro e último voo.

Buscando sempre o alto, ele viu que, bem de longe, sua pequena cidade parecia um labirinto. Não conseguiu reconhecer sua casa naquele desenho estranho. Parou de olhar para baixo, voltou os olhos para a lua. Ele voava em direção a ela, mas ela jamais se aproximava dele.

Aos poucos, foi sentindo mais frio, mais falta de ar. Estava cansado de voar, a vista começava a escurecer. Mas isso não importava, estava livre. Estava feliz. Estava em casa.

Seu corpo foi achado quatro dias depois, a poucos quilômetros de casa.

Leonardo Ramos.