quarta-feira, 27 de abril de 2011

Vagos sentimentos vespertinos


Dois poemas que não são meus, mas que podem descrever um pouco do meu sentimento nos últimos dias.

"somewhere I have never travelled, gladly beyond
any experience, your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which I cannot touch because they are too near

your slightest look easily will unclose me
though I have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully, mysteriously) her first rose

or if your wish be to close me, I and
my life will shut very beautifully, suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility: whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(I do not know what it is about you that closes
and opens; only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody, not even the rain, has such small hands"
E. E. Cummings
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"O filho que eu quero ter

É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem

De repente eu vejo se transformar num menino igual à mim
Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim
Um menino sempre a me perguntar um porque que não tem fim
Um filho a quem só queira bem e a quem só diga que sim
Dorme menino levado, dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado de tanta dor que ele tem

Quando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar no derradeiro bei..jo seu
E ao sentir também sua mão vedar meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
Dorme meu pai sem cuidado, dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado, com o filho que ele quer ter."
Vinícius de Morais



Leonardo Ramos.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sobre a trilha sonora possível para Belo Horizonte - Parte III




A questão da autoria da obra de arte mudou muito ao longo do tempo. Na Idade Média, especialmente no que se referia à música e à poesia, muita vez era impossível descobrir a autoria com plena certeza. A obra de arte não era ainda vista como a criação ex nihilo por parte de um gênio artístico, gênio este especialmente dotado de inspiração divina ou ao menos não natural. Esta era uma concepção que passou a existir com mais força a partir do Romantismo. Ao contrário, até a Idade Moderna, uma poesia era modificada livremente por cada leitor/escritor que achasse que deveria emendar ou contribuir, e isso, de modo algum, constituía uma afronta para as pessoas daquela época.

Com a invenção da imprensa por Gutenberg, no século XV, escrever se tornou uma atividade lucrativa para o autor e outras pessoas envolvidas no processo de publicação. Para que o retorno financeiro fosse assegurado, tornou-se necessário assegurar também a autoria da obra. A partir de então, o autor era o único responsável por qualquer modificação do texto que "genialmente" criara. Essa maneira de se encarar a criação artística se estendeu às demais formas de arte, de modo que a dúvida sobre a autoria passou a ser decidida nos tribunais se fosse preciso.

Estamos no século XXI, e a questão volta a ser debatida. Desta vez porque a maneira como os artistas costumavam ganhar seu pão de cada dia - vendendo livros, álbuns musicais etc. - foi acertada de cheio pela internet e pela facilidade que ela oferece para se compartilhar arte em formato digital. O mercado artístico está tentando se adaptar a essa nova realidade irrefreável pois, por mais que existam leis e punições previstas para esse tipo de compartilhamento, já não parece mais ser possível conter o oceano de páginas de downloads.

Um passo interessante - e inteligente - foi dado pela banda Radiohead que, em 2007, disponibilizou seu excelente álbum duplo In Rainbows para download, deixando para o usuário a escolha de quanto queria pagar, podendo até baixar de graça. Nessa atitude, o que está em jogo não é a questão da autoria - que permanece do Radiohead, sem sombra de dúvida; mas, sim, da suposta necessidade de venda de CD's para se viabilizar uma banda. Hoje, cada grupo musical tem procurado diversificar seus ganhos, já sabendo que não pode contar muito com a venda de material musical físico.

Nesse sentido, a criação do Creative Commons veio dar uma resposta inteligente às necessidades dos artistas. Em primeiro lugar, o nome do artista é respeitado como criador seja do que for; mas a possibilidade de compartilhamento e até de releituras daquela obra está também aberta - o que, na maior parte das vezes, pode ser de grande ganho para o próprio artista, que terá seu nome sempre circulando.

João Eduardo estava desperto para essa conjunção contemporânea ao criar seu Belo Horizonte - uma trilha sonora possível. A obra foi registrada como Creative Commons, e a ideia inicial dele era de que alguém aproveitasse aquelas músicas de sua autoria para compor a trilha sonora de um filme que falasse de Belo Horizonte, já que as músicas lhe foram inspiradas pelo ambiente da capital de Minas. Mas, como ele mesmo disse na palestra de lançamento do álbum, as músicas podem ser utilizadas para outros fins. E todos nós sabemos que, em termos de criatividade, a mente humana consegue sempre surpreender.

O interessante é que a autoria continua sendo de João, mas as possibilidades de contribuições, releituras, usos e compartilhamentos são incontáveis, o que só irá enriquecer o trabalho inicial. Assim foi, por exemplo, o trabalho de Tiago Capute para o encarte do CD. Capute fez a sua leitura, de designer gráfico e fotógrafo, para as músicas de João. O resultado é espetacular, como se pode comprovar no download de todo o material. As fotos e o trabalho gráfico, ao invés de restringir a interpretação do ouvinte, abre inúmeras outras portas de compreensão - mesmo no caso da escrita, por exemplo, da letra das músicas "Dando voltas" ou "Música triste", onde os espaços não esperados ou não "necessários" geram um efeito de vazio, de falta, de falta de direção ou da não linearidade da vida.

Afora essa já primeira intervenção gráfica, outras de outros tipos virão, com certeza. Eu mesmo, que me apaixonei pelo trabalho por tudo o que coincidiu com minha própria visão de BH, farei um poema baseado em uma das músicas da trilha, e prometo publicá-lo em breve aqui nesta casa.

De qualquer forma, ainda que nosso país, com a administração da nossa atual Ministra da Cultura, queira calar o diálogo sobre a criação contemporânea e as questões do compartilhamento da arte, as coisas acontecem de forma natural. Porque a evolução do mundo não está sujeita às leis, e o trabalho de João Eduardo está aí para reafirmar isso. E eu aproveito para reforçar o convite a conhecer o belo álbum Belo Horizonte - uma trilha sonora possível e a contribuir, da sua forma, com ele.

Leonardo Ramos.
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O link para baixar o trabalho é este: http://duasnoites.wordpress.com/2011/02/23/voce-baixe-aqui/

terça-feira, 5 de abril de 2011

Sobre a dança dos técnicos no futebol brasileiro e o caso do Arsenal




Estou estreando um assunto neste estabelecimento do qual eu já queria ter falado antes por aqui, mas que nunca tinha tido a vontade suficiente para concretizá-lo. Futebol é uma das minhas paixões, e eu gosto de acompanhar, além do brasileiro, os campeonatos da Inglaterra, da França e, mais raramente, da Alemanha e da Itália, nessa ordem de preferência.

Quando eu comecei a acompanhar o futebol inglês, graças à tv à cabo, fiquei encantado com a maneira interessante de jogar de um certo time, que destoava dos demais da terra da rainha. O time jogava com um belo toque de bola, quase nunca errado, tinha um entrosamento visível e um jogador de quem já era admirador, desde aquela famigerada Copa de 98 - Thierry Henry. Ok, eu sei que existem muitos outros jogadores melhores que o Titi, mas, nos seus tempos áureos no Arsenal, sua malícia e rapidez enchiam os olhos de qualquer apreciador de belas jogadas.

Num passado recente da temporada de 2004-2005, que foi quando eu me tornei um gunner, o Arsenal ganhara três campeonatos ingleses - 1997-1998, 2001-2002 e 2003-2004 - e quatro Copas da Inglaterra - 1997-1998, 2001-2002, 2002-2003 e 2004-2005. Cruzando esses dois resultados e comparando com o histórico de vitórias do time, veremos que, após cinco anos sem ganhar nada, na temporada de 97-98 o Arsenal voltou ao topo. Isso, claro, não acontece por acaso. Em 1996 chegava ao Arsenal um grande técnico, cujo nome parecia tê-lo predestinado ao time: Arsène Wenger.

Foi um treinador que deu resultado pouco depois de ter chegado, o que é raro de acontecer. Além disso, ele manteve o time num alto nível até, eu diria, 2006, quando o Arsenal perdeu a final eletrizante da Champions League para o Barcelona. Num campeonato bastante equilibrado, em que quatro equipes são contadas entre as melhores do mundo - Chelsea, Manchester United, Liverpool e o próprio Arsenal - isso é um feito admirável. Não é à toa que é considerado dos melhores treinadores em atividade na Inglaterra, junto com o dos diabos vermelhos, o também sensacional Alex Ferguson.

No entanto, fazem iguais cinco anos que o time de Arsène Wenger não conquista nenhum título. Nesse tempo, Wenger promoveu uma mudança radical no plantel, privilegiando os jogadores jovens e dispensando os mais velhos. Uma medida interessante para quem já estava com o cargo de treinador garantido pelo bom serviço prestado nos anos anteriores. Montar uma equipe jovem, com nomes cuidadosamente selecionados parecia ser a fórmula certa para colocar o Arsenal em primeiro lugar por muitos anos em todos os campeonatos que disputasse, assim que os jogadores ganhassem um pouco mais de experiência e o entrosamento que sempre encantou os olhos dos gunners.

No entanto, não foi isso que aconteceu. Não por causa da qualidade dos jogadores - temos ali vários realmente muito bons, como Fàbregas, Walcott, Nasri, Arshavin, Wilshere entre outros. Os jogadores que antes eram jovens estão ficando velhos, e os títulos não aparecem. Chegam às finais, mas perdem as partidas mais improváveis para times pequenos.

Eu sou defensor da maneira europeia de tratar o técnico, sempre dando a ele tempo para formar um time e tentar levá-lo às vitórias. Mas, ao que parece, o tempo do Arsène Wenger no Arsenal chegou ao fim e, nessa hora, é preciso abrir mão de certas ideologias, pelo bem do time e do próprio técnico.

Depois do jogo do final de semana passado contra o Blackburn, com quem o Arsenal empatou em 0x0 dentro do Emirates Stadium, penso que está na hora de mudar a cara do time, que não jogou mal, diga-se de passagem!, mas que não soube fazer nada mais além que trocar belos passes e fazer grandes jogadas que não resultavam em gol. Lembro-me claramente de um trecho do treino do Brasil na Copa de 2002 em que o Felipão brigava com os jogadores pela falta de objetividade: "Eu toco pra ti, tu toca pra, mim, eu toco pra ti, tu toca pra mim... e ali [no gol] nada?!" Não sou adepto do jogo pragmático nem da dança das cadeiras dos técnicos no Brasil; mas, quando um time parece acomodado por anos num único estilo de jogo, ficando previsível, não vejo outra solução que não a troca do técnico. No caso do Arsenal, para o bem do time - que tem jogadores com uma grande carreira pela frente - e para o de Wenger - que poderia muito bem assumir a Seleção Francesa, tão carente de um bom técnico.

Leonardo Ramos.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Quatro




Hoje é 04/04, e esta casa completa quatro meses.

Quatro é um número interessante para um deus - diferente de três, que é o do deus cristão.

Como este albergue é dedicado não ao deus cristão, mas ao grego, quatro é um número perfeito.

Hermes.

sábado, 2 de abril de 2011

Pra que lado fica o porto? Parte III

III

Terás alguns bons amigos,
Que te amarão de verdade;
Outros, serão teus colegas,
Teus companheiros de idade.

Amigos são como o vento
Que move as pás do moinho:
Dão-nos a força precisa
Para seguirmos caminho.

Mas se tiveres colegas
Que te pareçam chatinhos,
Pensa que as rosas têm flores
Que trazem junto os espinhos.

Todos serão companheiros,
Mas cada um tem sua meta.
Um quer ver altas montanhas,
Outro deseja ir a Creta.

Uns vão descer na Argentina;
Outros virão da Espanha.
Há quem embarque na França
Pra desistir na Alemanha.

Aprenderás na viagem
Que velejar sobre os mares
Une duas coisas distintas
E, ainda, complementares:

O capitão do navio
Anda com muita atenção:
Numa das mãos traz a bússola;
Noutra, segura o timão.

Alguma vez acontece
(Sempre que o tempo ameniza)
Que o capitão ergue as velas,
Deixa o navio ir à brisa.

Mas para ir aonde quer
O capitão tem em mente
Que às vezes segue-se a rota,
Noutras nos leva a corrente.

E quando as nuvens se ajuntam
E o céu azul se acinzenta;
Quando há períodos de chuva,
De tempestade e tormenta,

Escolhe apenas um rumo,
Acende muitas luzinhas;
E presta muita atenção
Nas armadilhas marinhas.

(Nunca dispenses ajuda
De quem vem junto contigo,
De quem tem experiência,
Nem de quem for teu amigo.)

Após um breve silêncio
Daquele adulto bonzinho,
O pequenino João
Disse, com todo carinho:

“É muito bom, meu senhor
Ouvir as tuas histórias.
Mas quero agora escutar
As tuas grandes vitórias.”

“Ah, meu querido João,
A vida é contraditória!
Às vezes é na derrota
Que construímos a glória.

Mas, sobre as coisas do mar,
Não vou dizer mais agora.
Tu saberás que fazer
Quando chegar a tua hora.

Não te preocupe a idade,
Não tenhas pressa em crescer;
Só aproveita o momento
E o que ele te oferecer

De bom em cada viagem.
Para saber velejar,
Não temos fórmulas mágicas:
Não há “estradas” no mar.

Lembra somente que agora
Serás, com teus companheiros,
Apenas um tripulante
(Alguma vez, timoneiro);

Mas, se tiveres paciência
Para, com o tempo, aprender,
Navio próprio, algum dia,
Para guiar hás de ter.”

“Nossa conversa foi boa!”
– Disse o menino João.
“Somente agora eu percebo
Que estou na embarcação.

Não sinto mais tanto medo.
Só estou um pouco ansioso
Para curtir a viagem:
Um sentimento gostoso.”

“Mais uma vez nos veremos.”
– Disse o adulto João.
“Guarda tuas experiências
Dentro do teu coração;

Quando eu puder te rever
Quero escutar as histórias
Das tuas grandes viagens,
Das tuas muitas vitórias.”

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Pra que lado fica o porto? Parte II

II

O adulto olhou a criança,
Sorriu, e lhe perguntou:
“Aonde vais, garotinho?
Que coisa te acelerou

Para correres assim
No centro desta cidade?
Que compromisso importante
Será que tens nessa idade?”

“Primeiro eu peço desculpa”
– Responde aquele menino –
“Depois, queria dizer,
Segundo foi meu ensino,

O nome que recebi:
Mamãe me chama João,
E assim me chama meu pai,
Como também meus irmãos.

Agora, sim, peço ajuda,
Estou um pouco perdido:
Ando à procura de um porto
Sem nunca a ele ter ido.”

Responde, então, o senhor:
“Perdoa a mim, amiguinho,
Eu nem te disse meu nome,
Que é como o teu, igualzinho:

O meu também é João.
E bem conheço o caminho
Que chega até esse porto.
Espera só um minutinho...”

“Não posso mesmo, senhor!”
– Disse com raiva. – “O navio
Há de partir daqui a pouco!
Já ouço seu assobio!”

Sorriu-lhe muito o João
(O que possui mais idade!)
E respondeu: “Vai com calma!
Não é preciso ansiedade!

O barco ainda não parte,
Está somente chamando.
Vamos seguir devagar;
E enquanto vamos andando

Vou te contar um pouquinho
De quando eu fui para o mar.
Tinha teu mesmo tamanho
E o mesmo olhinho a brilhar.”

Interessou-se o menino:
“Já que eu não parto tão cedo,
Quero poder te escutar;
Pois tenho um pouco de medo

De viajar no navio.
Vê só: eu sou tão fraquinho,
Sinto-me tão pequenino!
Porque sou só garotinho.”

“Não te preocupes assim
Com teu tamanho, João!
Vou te contar minha história,
Presta bastante atenção:

Achava tudo tão grande
Quando cheguei ao navio!
Era gigante o convés,
Até senti um arrepio...

Havia muitos meninos,
Do meu tamanho ou maiores;
E várias outras pessoas
Estranhas nos arredores.

Paralisado, eu pensava
No que devia fazer.
A gente perde as palavras
Quando precisa dizer.

(Não compres nunca palavras,
Que elas te deixam sozinho.
Juram levar-te pra Roma;
Deixam-te a pé no caminho.)

Quando ficares assim
Não estarás obrigado
A repetir as palavras
Que os outros têm esperado.

Busca tuas próprias palavras
No dicionário da mente;
Mas, se não queres falar,
Faze silêncio, somente.

Aqui está uma coisa
Que vou dizer bem baixinho:
Pessoas são diferentes,
Vais ver durante o caminho.

Pessoas são como a música:
– Assim eu tenho aprendido –
Umas são belas! Mas outras
Machucam bem nosso ouvido...

Há quem entenda o silêncio,
Há quem prefira falar.
Acha teu próprio caminho,
Não penses em os julgar.

E se quiserem julgar
Teu ser pelo exterior,
Lembra que está mais ao fundo
O que merece louvor:

É lá, bem dentro do peito
Que se esconde o amor,
A compaixão, a verdade,
Jóias de grande valor.