terça-feira, 27 de setembro de 2011

Sobre os Cinco Rios e as janelas (todas elas) do dia


"Abro a janela da frente: o dia começa aqui, no resto do meu café".
Um dia, Cinco Rios

De dentro de casa, o mundo sempre parece distante. Paredes e portas determinam o limite da nossa intimidade, onde só deixamos entrar aqueles que queremos. A janela é o meio de um contato com o exterior que permite que vejamos sem nos expormos totalmente. É possível se esgueirar e tentar, de fora, prescrutar o que acontece dentro de uma casa estranha, mas a cena que se vê será sempre um recorte mínimo do universo que existe ali. Uma briga, uma comemoração, uma conversa alegre, um carinho, um choro solitário... Mas é somente para quem vive ali dentro que um mosaico de todas esses e mais outros inúmeros momentos compõem o quadro da existência singular humana.

Da mesma forma, de dentro desse universo, o mundo, a cidade é vista como uma ressonância do que vai ali. Porque não existe objetividade absoluta enquanto nós estamos imersos num mar de sentimentos impossível de ser completamente abarcado. E são esses sentimentos que nos direcionam na leitura, sempre singular, do mundo.

É assim que eu traduzo a experiência da audição do novo álbum da banda Cinco Rios, Todas as janelas do dia. Um trabalho que compõe um mosaico de emoções tão humanas, tão reais, que podem ressoar em qualquer um. As músicas, que aparentemente são janelas muito diferentes umas das outras - umas que dão para o burburinho da rua, outras que dão para a escada de incêndio, para uma fuga rápida - são pequenas cenas de uma vida que pode ser a minha. Cada composição, assinada por diferentes músicos da banda, traz uma singularidade de arranjos, de melodias, de timbres instrumentais e vocais, de letras, de ideias que, juntas, refletem uma construção muito maior, onde o teatro da vida é recriado.

Ou, como o nome da banda sugere, onde acontece a confluência das cinco individualidades que integram a banda. Maurício e João dividem os vocais principais, alternando, de forma inteligente e prazerosa, doçura e força, alegria e desespero, tristeza e raiva. A bateria precisa do Fabrício, as linhas de baixo bastante melódicas do Bruno e os violões e guitarras-base do João são um alicerce firme onde se erguem os belíssimos pianos e teclados do Maurício e a guitarra sempre surpreendente e marcante do Capute. É desse conjunto, bem construído, que podemos revisitar nossa própria intimidade ou olhar o mundo que se apresenta diante da nossa janela.

Neste trabalho, a banda logrou aquela unidade que todas as bandas procuram para seus álbuns, coisa difícil de se alcançar. Todas as janelas do dia é um álbum equilibrado, coeso, sem ser tematicamente pobre. A melancolia de "Cinza", do álbum Ecos da cidade não se perdeu, está em "Vê", faixa que abre o álbum, assim como na belíssima "Noir", de veia jazzística. No entanto, a raiva e a angústia de "Letra por letra", também do álbum anterior, foi potencializada em "A hora fria" - minha predileta! -, "Um dia" e "O Náufrago", esta última com um fim arrebatador: gritos, distorção e um trecho final de arrepiar. Para contrabalançar, "Manhã veloz" - música já anteriormente divulgada - traz uma leveza e um lirismo que realmente emocionam.

Não vou abrir todas as janelas agora. Mas gostaria de dar um destaque ao excelente trabalho de produção musical do Fabrício Galvani, baterista da banda. Gravado em fita magnética, como nos velhos tempos!, o som trouxe à frente a naturalidade e a humanidade da execução musical. A mim, muito me agrada escutar o pedal do piano acústico, a percussão da palheta sobre as cordas, um bumbo de bateria quase tão natural quanto ao vivo.

A banda fará o show de lançamento do álbum na próxima quinta-feira, dia 29 de setembro, no Teatro Oi Futuro Klauss Vianna (Avenida Afonso Pena, 4001), às 21h, onde o álbum - que conta com o inegável talento de Tiago Capute, guitarrista da banda, na arte visual - poderá ser adquirido. Vale a pena, digo de antemão, ter a materialidade desse trabalho. Como eu disse na postagem "Sobre a trilha sonora possível para Belo Horizonte", o trabalho gráfico faz parte da obra, contribuindo para alargar os sentidos e abrir novas janelas.

Todas as janelas do dia, da banda Cinco Rios, é essa janela aberta que permite iluminar o interior e de onde nós podemos olhar o exterior. Não deixe de escutar.
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Mais informações e links para baixar os demais trabalhos da Cinco Rios em: www.cincorios.com.br

Leonardo Ramos.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nau

Rumor de tempestade. O mar rugia,
tornando, então, fatal a odisseia
da minha humanidade. Escuro o dia,
reuniu-se sobre mim a assembleia

do Olimpo feminino: após o vento
que veio d’Hera, Ártemis cessou
as vagas que trouxessem movimento
à nau que Menelau extraditou.

Assim, parado, sob o pálio escuro,
surgiram dois fanais brilhando, claros,
fazendo meu caminho mais seguro,

pois não existe sorte de cadena,
pendente dos porões os mais amaros,
que não se rompa ao doce olhar de Atena.

Leonardo Ramos.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Playlist da semana

60's.

1) Bob Dylan - Like a rolling stone



2) The Animals - It's my life



3) Jefferson Airplane - Volunteers



4) The Kinks - Sunny Afternoon



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Hermes.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Playlist da semana

Nas raízes.

1) Leadbelly - House of the rising sun



2) Robert Johnson - Crossing road



3) Son House - Death letter blues



4) Skip James - Crow Jane



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Hermes.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Playlist da semana

Participações especiais em gravações.

1) PJ Harvey - This mess we're in (com Thom Yorke)



2) Massive Attack - Pray for rain (com Tunde Adebimpe)



3) The National - I'm afraid of everyone (com Sufjan Stevens)



4) David Bowie - I'm afraid of americans (com Nine Inch Nails)



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Hermes.

sábado, 3 de setembro de 2011

Vagos sentimentos vespertinos

Foto: Leonardo Ramos

Le coucher du soleil romantique

Que le Soleil est beau quand tout frais se lève,
Comme une explosion nous lançant son bonjour !
- Bienheureux celui-là qui peut avec amour
Saluer son coucher plus glorieux qu'un rêve !

Je me souviens !... J'ai vu tout, fleur, source, sillon,
Se pâmer sous son oeil comme un coeur qui palpite...
- Courons vers l'horizon, il est tard, courons vite,
Pour attraper au moins un oblique rayon !

Mais je poursuis en vain le Dieu qui se retire ;
L'irrésistible Nuit établit son empire,
Noire, humide, funeste et pleine de frissons ;

Une odeur de tombeau dans les ténèbres nage,
Et mon pied peureux froisse, au bord du marécage,
Des crapauds imprévus et de froids limaçons.
Charles Baudelaire
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Leonardo Ramos.