terça-feira, 8 de março de 2011

Sobre a trilha sonora possível para Belo Horizonte - Parte I



Belo Horizonte parece ser a cidade das antíteses e paradoxos. Se começarmos pelo nome, o horizonte é esse limite sem fim, um lugar impossível de alcançar. Na mesma medida em que caminhamos em direção a ele, ele foge de nós. Está à nossa vista, mas não é apreensível. A capital mineira parece ter um comportamento semelhante. É difícil sintetizar Belo Horizonte. É uma cidade nova ainda, criada exclusivamente para ser a capital de Minas Gerais - assim como Brasília, a do Brasil. Poucas pessoas tem suas raízes aqui. A maioria de nós tem pelo menos avós que vieram de outros lugares de Minas. Nisso está um sentimento de deslugar, de exílio que é muito comum, ao menos entre as pessoas que eu conheço. Além disso, há aquela sensação de que se está a meio caminho entre o sentimento interiorano e o de pertencer a uma metrópole. Belo Horizonte não é nem parecida com Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, nem com as cidades do interior de Minas. Talvez a identidade de Belo Horizonte seja esquizofrênica, múltipla, fragmentada. Talvez ela nem exista.

Provavelmente foi nisso que pensou o amigo João Eduardo Faria Neto, músico da banda Cinco Rios, quando compôs as músicas do projeto Belo Horizonte - uma trilha sonora possível. Por que uma trilha possível? Porque, respondo eu, é possível que haja milhares de trilhas, como é possível também que não haja nenhuma para Belo Horizonte. E por que trilha sonora? Porque, respondo mais essa!, Belo Horizonte é uma cidade visual. Montanhas e monumentos arquitetônicos que imitam suas curvas são as imagens que frequentemente aparecem nas reproduções da capital mineira. Mas não são as pedras e o concreto que guardam movimento, e sim as pessoas que se movem sobre eles, cada uma com sua vida, seu filme, seu drama. Pessoas vindas de vários lugares, ou de lugar nenhum. Para elas há várias trilhas sonoras possíveis, ou nenhuma.

A foto que encabeça esta postagem é do também amigo Tiago Capute, que emprestou sua percepção de designer e fotógrafo para enriquecer o projeto musical do João. Nela, acho que podemos enxergar a Belo Horizonte que os belorizontinos percebem: a tentativa de planejamento de uma cidade que, em sua origem, foi desenhada como um tabuleiro de xadrez, mesclada com a imprevisibilidade do comportamento humano, visível no mosaico de luzes acesas e apagadas, sem nenhum padrão. Nesse painel, é impossível não pensar: quantas vidas, quantos dramas, quantas alegrias em cada janela? Quanta vida e quanta morte? Quanta vitória e quanta derrota? Quantos espaços vazios, quantas lacunas, quantas faltas?

João Eduardo gravou uma trilha, mas, olhando apenas a foto do Tiago Capute, quantas mais poderiam ser escritas? Composta de músicas instrumentais ou cantadas, a trilha proposta por João parece mostrar essa ambiguidade, essa antítese, esse paradoxo que é Belo Horizonte, e a melancolia subjacente a isso. Porque a antítese, a ambiguidade, o paradoxo, os contrastes são angustiantes. É possível perceber esses elementos muito bem no estilo artístico chamado Barroco, e eu diria que Belo Horizonte é uma cidade barroca.

Eu não vou me estender para não restringir os sentidos de um trabalho rico em diversos aspectos, que serão discutidos depois em outras postagens. Mas eu convido a ouvir a trilha sonora proposta pelo João e projetada graficamente pelo Capute e a consrtuir mais uma trilha, a partir do seu sentimento com relação a essa cidade. Sim, porque a cada audição dessas músicas é possível construir mais uma trilha entre milhares das possíveis para Belo Horizonte - ou negar todas elas.

Leonardo Ramos.
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Você vai encontrar as músicas, junto com o projeto gráfico em PDF no seguinte endereço: http://duasnoites.wordpress.com/2011/02/23/voce-baixe-aqui/.

Convido a também conhecer o blog, que é do João, e que tem belos textos.

Aqui, o link para o blog do Capute e suas belas fotografias: http://tcapute.wordpress.com/

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