terça-feira, 22 de março de 2011

Verdade (quatro pequenos contos sobre a vida)

Um dia, cansou-se de segurar o mundo e a vida que havia nele. Seus braços cederam ao cansaço; a coluna, que sustentava aquele enorme peso do passado, do presente e do futuro, dobrou-se; as pernas, que o mantinham de pé, perderam o vigor. E ele morreu esmagado sob si mesmo.
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Um dia, cansou-se de correr. Andava vagando havia anos; entre um local e outro, jamais parava para descansar; nunca volvia os olhos para apreciar a vida ao redor; nenhuma vez permitiu que a mente descansasse no frescor da brisa matutina; ninguém, em tempo algum, ouviu-lhe a voz. Deixou-se morrer no meio do caminho.
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Um dia, cansou-se de carregar pedras. Trabalhava naquilo desde sempre; toda vez as levando do pé do monte ao cimo da montanha, e sempre encontrando mais pedras para transportar. Parecia-lhe um serviço inútil, infinito, cansativo, sem nenhuma consequência prática na vida de ninguém, especialmente na dele. Numa tarde comum de trabalho, uma súbita avalanche espantou seus companheiros, mas ele não quis fugir.
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Um dia, cansou-se de atuar. Todas as noites, sobre os palcos, dava vida a um personagem diferente, e era aclamado por todos. De volta à sua casa, a solidão, a sujeira, os ratos, a fome e o frio o recebiam, mas ele não sabia qual personagem era acolhido. Não podia mais discernir o real do sonho. Na última vez em que subiu ao palco, representou o monólogo de um suicida. A faca era de verdade, o sangue era de verdade, a agonia era de verdade. A plateia aplaudiu de pé a performance.

Leonardo Ramos.

Um comentário:

  1. Lindo, Léo. O Sísifo me veio tão claro. E o que aconteceria se "um dia", todos cansássemos?

    Fica o final do "Linha de passe", do Walter Salles: "anda, anda, anda"...

    É, para muitas coisas, o melhor imperativo.

    Beijo!

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