quinta-feira, 31 de março de 2011

Pra que lado fica o porto? Parte I

Para um pequeno menino
(Gigante de coração)
Que se parece comigo,
E que se chama João.


I

Era só seis da manhã.
Bem lento o sol acordava.
Somente havia uma nuvem
Que pelo céu passeava.

O sol, que olhava a paisagem,
Pediu à nuvem licença;
Mas vem o vento veloz
E a empurra co’indiferença;

Ela trombou noutra nuvem
Que andava sem atenção...
Elas gritaram bem alto:
Foi um imenso trovão.

As duas nuvens então
Com muita dor pranteavam;
(E sobre o choro das nuvens
É bom que todos já saibam:

Se alguma delas escuta
Uma colega a chorar,
Chama depressa as demais,
E juntas vão derramar

Aquele choro magoado
Que nós chamamos de chuva)
E o sol, já desanimado,
Calçou as mãos com sua luva,

Vestiu a capa marrom,
Conjunto com seu chapéu;
Pensou: “Que grande bagunça
As nuvens fazem no céu!

Um pequenino problema
Exige todo esse drama?
Ah! Se eu ainda estivesse
Deitado, à noite, na cama!”

As nuvens juntas deixavam
A vista bem mais escura.
Uma dizia: “Não sabes!
Vida de nuvem é dura!

Eu como floco por floco,
E vou ficando gordinha;
Mas quando tem ventania,
Ela me espalha todinha!”

A outra vinha chorando
Querendo achar sua madrinha;
E a descobriu misturada
Com sua antiga vizinha.

Era um acúmulo grande
De nuvens tão diferentes!
Algumas eram mocinhas,
Algumas experientes.

Uma, inclusive, dizia
Que era bastante menina
Quando, saindo, deixara
Sua família na China.

Contou histórias legais,
E quis contar outra vez.
Houve um pequeno problema:
Ninguém sabia chinês.

O sol, cansado de tudo,
Olhando abaixo entrevia
Uma figura pequena
Quando da chuva fugia.

Pediu licença às amigas,
E elas saíram depressa.
Lançou sua luz no menino,
Que parecia com pressa.

Bem logo a chuva parou.
Pôs-se o garoto a correr.
Com seus cabelos molhados
Na sua testa, a escorrer,

Vestia um terno branquinho
E tinha um quepe na mão
Que colocou sob o braço
Pra não jogá-lo no chão.

Mas não sabia o garoto
Por que caminho seguir.
Olhava todas as ruas
Para tentar decidir.

Enquanto olhava pro lado
Não viu o moço parado
Em pé, em frente à parede,
Com seu joelho dobrado.

Bateu o nariz no joelho
Daquela perna dobrada,
Deu piruetas no ar,
Caiu no chão da calçada.

O homem, vendo o menino
Estatelado no chão,
Não lhe negou sua ajuda:
Ofereceu-lhe sua mão

E colocou-o de pé.
O pequenino, apressado,
Pegou seu quepe no chão,
Limpou seu terno manchado

E, quando olhou para o homem,
Tomou um susto danado!
Pois viu que aquele senhor
Como ele estava trajado.

Pra que lado fica o porto? Introdução

Caros alberguistas,

Decidi postar aqui um livrinho que escrevi depois de uma conversa com um afilhado meu. É, portanto, diferentemente de tudo que se viu até aqui, poesia para crianças. Para quem as tem entre sobrinhos, filhos, afilhados etc., e quiserem ler para elas, ficarei grato. E ficarei mais feliz ainda se, depois de lerem, me contarem como foi a reação da criança - seja ela de alegria ou desaprovação.

Ele vai ser publicado em três partes.

Abraços,
Leonardo Ramos.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Sobre Eduardo Galeano e seu sangue latino




Nos meus tempos nada saudosos de colégio, uma professora de história citou o nome de um livro que ela julgava essencial para quem quisesse se aprofundar no estudo sobre a história da América Latina. Como ler e estudar sempre foi meu lazer, eu procurei saber os nomes exatos: o autor era Eduardo Galeano, o livro, As veias abertas da América Latina. O ano era 1993, eu tinha doze anos e estava na sétima série do então primeiro grau. O livro custou CR$ 3.415,00 (cruzeiros reais!, para os mais novos que não se lembram das nossas inúmeras trocas de moedas...). O dinheiro para a compra, eu o economizara no lanche da escola, que servia, alternadamente, para adquirir livros ou CD's de música erudita.

Eu não o li, eu o devorei. A escrita do Galeano me aprazia enormemente, e a sede de conhecimento não me deixava parar a leitura. Aquela foi a semente de um posterior posicionamento político esquerdista, que só nasceu sete anos depois. Mas, apesar da escolha política tardia, eu mantive o gosto pelo autor, que me pareceu muito bom àquela época.

Na fase adulta esquerdista, fiquei impressionado com a clareza para expor sua visão política, sempre com sensatez e serenidade, sem exageros apaixonados, como sói acontecer na esquerda. Vi inúmeros vídeos do escritor, sempre presente em eventos como o Fórum Social Mundial, onde intelectuais e pessoas simples se sentam para compartilhar inquietudes e esperanças.

Ontem à noite, procurando achar o sono para dormir, deparei com o programa Sangue Latino, do Canal Brasil, em que se entrevistava o escritor uruguaio. Descobri um outro Galeano, político, sim, como sempre, mas apresentando mais, agora, sua face humana, seus medos e suas vitórias. Fiquei ainda mais fã desse homem, e decidi compartilhar com os visitantes deste albergue a alegria de encontrar ainda seres humanos que sabem ser humanos.

O vídeo tem pouco mais de vinte minutos. Tire um tempo, sente-se com calma e assista. Eu lhe asseguro que vai valer a pena.


terça-feira, 22 de março de 2011

Verdade (quatro pequenos contos sobre a vida)

Um dia, cansou-se de segurar o mundo e a vida que havia nele. Seus braços cederam ao cansaço; a coluna, que sustentava aquele enorme peso do passado, do presente e do futuro, dobrou-se; as pernas, que o mantinham de pé, perderam o vigor. E ele morreu esmagado sob si mesmo.
___________________

Um dia, cansou-se de correr. Andava vagando havia anos; entre um local e outro, jamais parava para descansar; nunca volvia os olhos para apreciar a vida ao redor; nenhuma vez permitiu que a mente descansasse no frescor da brisa matutina; ninguém, em tempo algum, ouviu-lhe a voz. Deixou-se morrer no meio do caminho.
___________________

Um dia, cansou-se de carregar pedras. Trabalhava naquilo desde sempre; toda vez as levando do pé do monte ao cimo da montanha, e sempre encontrando mais pedras para transportar. Parecia-lhe um serviço inútil, infinito, cansativo, sem nenhuma consequência prática na vida de ninguém, especialmente na dele. Numa tarde comum de trabalho, uma súbita avalanche espantou seus companheiros, mas ele não quis fugir.
___________________

Um dia, cansou-se de atuar. Todas as noites, sobre os palcos, dava vida a um personagem diferente, e era aclamado por todos. De volta à sua casa, a solidão, a sujeira, os ratos, a fome e o frio o recebiam, mas ele não sabia qual personagem era acolhido. Não podia mais discernir o real do sonho. Na última vez em que subiu ao palco, representou o monólogo de um suicida. A faca era de verdade, o sangue era de verdade, a agonia era de verdade. A plateia aplaudiu de pé a performance.

Leonardo Ramos.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Playlist da semana

Mais novidades de 2011.

1) The National - Think you can wait



2) The Dears - Galactic tides



3) Wye Oak - We were wealth



4) J. Mascis - Is it done



Hermes.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Sobre a trilha sonora possível para Belo Horizonte - Parte II

Entrevista de João Eduardo e Tiago Capute para a TV O Tempo sobre o projeto Belo Horizonte - uma trilha sonora possível. Nada melhor que ouvir os responsáveis pelo sensacional projeto audiovisual!



Leonardo Ramos.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Playlist da semana

Esta semana, músicas de álbuns lançados em 2011 até agora.

1) Elbow - Lippy kids



2) Radiohead - Lotus Flower



3) PJ Harvey - The words that maketh murder



4) CAKE - Federal Funding



Hermes.

terça-feira, 8 de março de 2011

Sobre a trilha sonora possível para Belo Horizonte - Parte I



Belo Horizonte parece ser a cidade das antíteses e paradoxos. Se começarmos pelo nome, o horizonte é esse limite sem fim, um lugar impossível de alcançar. Na mesma medida em que caminhamos em direção a ele, ele foge de nós. Está à nossa vista, mas não é apreensível. A capital mineira parece ter um comportamento semelhante. É difícil sintetizar Belo Horizonte. É uma cidade nova ainda, criada exclusivamente para ser a capital de Minas Gerais - assim como Brasília, a do Brasil. Poucas pessoas tem suas raízes aqui. A maioria de nós tem pelo menos avós que vieram de outros lugares de Minas. Nisso está um sentimento de deslugar, de exílio que é muito comum, ao menos entre as pessoas que eu conheço. Além disso, há aquela sensação de que se está a meio caminho entre o sentimento interiorano e o de pertencer a uma metrópole. Belo Horizonte não é nem parecida com Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, nem com as cidades do interior de Minas. Talvez a identidade de Belo Horizonte seja esquizofrênica, múltipla, fragmentada. Talvez ela nem exista.

Provavelmente foi nisso que pensou o amigo João Eduardo Faria Neto, músico da banda Cinco Rios, quando compôs as músicas do projeto Belo Horizonte - uma trilha sonora possível. Por que uma trilha possível? Porque, respondo eu, é possível que haja milhares de trilhas, como é possível também que não haja nenhuma para Belo Horizonte. E por que trilha sonora? Porque, respondo mais essa!, Belo Horizonte é uma cidade visual. Montanhas e monumentos arquitetônicos que imitam suas curvas são as imagens que frequentemente aparecem nas reproduções da capital mineira. Mas não são as pedras e o concreto que guardam movimento, e sim as pessoas que se movem sobre eles, cada uma com sua vida, seu filme, seu drama. Pessoas vindas de vários lugares, ou de lugar nenhum. Para elas há várias trilhas sonoras possíveis, ou nenhuma.

A foto que encabeça esta postagem é do também amigo Tiago Capute, que emprestou sua percepção de designer e fotógrafo para enriquecer o projeto musical do João. Nela, acho que podemos enxergar a Belo Horizonte que os belorizontinos percebem: a tentativa de planejamento de uma cidade que, em sua origem, foi desenhada como um tabuleiro de xadrez, mesclada com a imprevisibilidade do comportamento humano, visível no mosaico de luzes acesas e apagadas, sem nenhum padrão. Nesse painel, é impossível não pensar: quantas vidas, quantos dramas, quantas alegrias em cada janela? Quanta vida e quanta morte? Quanta vitória e quanta derrota? Quantos espaços vazios, quantas lacunas, quantas faltas?

João Eduardo gravou uma trilha, mas, olhando apenas a foto do Tiago Capute, quantas mais poderiam ser escritas? Composta de músicas instrumentais ou cantadas, a trilha proposta por João parece mostrar essa ambiguidade, essa antítese, esse paradoxo que é Belo Horizonte, e a melancolia subjacente a isso. Porque a antítese, a ambiguidade, o paradoxo, os contrastes são angustiantes. É possível perceber esses elementos muito bem no estilo artístico chamado Barroco, e eu diria que Belo Horizonte é uma cidade barroca.

Eu não vou me estender para não restringir os sentidos de um trabalho rico em diversos aspectos, que serão discutidos depois em outras postagens. Mas eu convido a ouvir a trilha sonora proposta pelo João e projetada graficamente pelo Capute e a consrtuir mais uma trilha, a partir do seu sentimento com relação a essa cidade. Sim, porque a cada audição dessas músicas é possível construir mais uma trilha entre milhares das possíveis para Belo Horizonte - ou negar todas elas.

Leonardo Ramos.
_________________

Você vai encontrar as músicas, junto com o projeto gráfico em PDF no seguinte endereço: http://duasnoites.wordpress.com/2011/02/23/voce-baixe-aqui/.

Convido a também conhecer o blog, que é do João, e que tem belos textos.

Aqui, o link para o blog do Capute e suas belas fotografias: http://tcapute.wordpress.com/

sexta-feira, 4 de março de 2011

Lábios

Na tua ausência, sou como a criança
que sequestrou do deus a grei amada
para ganhar no Olimpo uma morada
e merecer de Zeus a vizinhança.

O gado que roubei - essa lembrança
do som encantador de tua risada -
tornou-se o meu penhor, a minha entrada
nos pátios divinais d'alegre estança.

E, se eu não mais te vir, levo, em meu colo,
a causa de ciúmes em Apolo -
teu beijo, o néctar que me soube a deus.

Mas, se voltares, te darei meus braços,
erigirei teu lar em meus abraços -
e tu não me dirás, de novo, “Adeus”!

Leonardo Ramos.